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03/04/2023

O que você vai fazer no seu “dia 1”?

Aqui na Belas Letras a gente tem um programa interno chamado Dia 1. Ele funciona assim: no dia do seu aniversário, você não precisa vir trabalhar, desde que nesse dia faça alguma coisa pela primeira vez na vida. Em geral, a maioria escolhe algum programa ao ar livre mas… Na semana retrasada foi a minha vez, fiz aniversário no dia 8 de junho. E caiu de eu ser o primeiro aniversariante pós-pandemia…

Tem muitas coisas pra fazer em casa, sim, não é uma grande dificuldade, mas no mês passado fiz uma entrevista com a professora Tina Seelig em que ela comentou que uma das oportunidades desse momento de isolamento seria de a gente conseguir se conectar com pessoas que dificilmente nos conectaríamos pessoalmente.

Não sei por que mas achei que seria um bom momento pra fazer isso, voltar a falar com alguém que não falava há muito tempo. Então lembrei de um amigo da época da faculdade, que não via há quase dez anos. Mais: um amigo que de alguma forma não era mais um amigo, porque a gente tinha brigado – corrigindo: brigado feio – por causa de dinheiro e de trabalho.

A gente já era diferente um do outro desde os tempos da faculdade: ele tinha um pôster de Che Guevara no quarto; para ele, eu talvez fosse o “neoliberal”. Curiosamente, foi ele, o “comunista”, que me emprestou dinheiro quando eu precisei – na verdade, eu quase sempre precisava, tinha vergonha de pedir para meus pais porque aprendi que eu devia me virar e eles não tinham condições. Ele era espírita; eu era agnóstico; ele era um sujeito super crítico; idealista, utópico; eu só queria arranjar um trabalho e construir uma vida que não fizesse eu passar por aquilo que meus pais passaram.

Acontece que a gente se formou, não na mesma época, e cada um seguiu sua vida profissional. Um dia, tivemos uma oportunidade de montar um projeto juntos. A gente brigou no meio dele, cancelamos e naquele dia falamos um para o outro coisas que acho que nós dois nos arrependeríamos pra sempre. Era um nó da minha vida que eu precisava desatar, uma coisa que ficou mal resolvida em mim.

Eu tinha deletado o número dele do meu telefone, mas o encontrei pelo facebook. Descobri que ele era tinha ido morar em outra cidade há muito tempo, tinha se tornado um professor universitário muito respeitado, que tinha se casado e que tinha um filho pequeno. Fiz um contato por ali, falei que precisava ligar e ele me deu o número do whats. A verdade é que não liguei no dia 8; fiquei pensando o que dizer – pensei em desistir – e só realmente liguei dois dias depois.

Ele parecia surpreso e ficou aquele silêncio todo do outro lado da linha, ele esperando eu falar. Finalmente falei sobre nossa última conversa anos atrás, disse que estava ligando porque de alguma forma era importante para mim pedir desculpas, dizer que eu o considerava muito, que eu o amava como um irmão e que um dia ainda gostaria de encontrá-lo pessoalmente, pra dar um abraço dizer de novo tudo isso.

Do outro lado, ele demorou pra responder e disse o seguinte: “Pra mim, quando a gente brigou, no outro dia a gente já era amigo de novo. Pensei até que tinha me ligado agora não para fazer as pazes, mas para a gente fazer um novo projeto juntos. E como anda a tua vida?” A gente riu. Ficamos quase duas horas falando naquele dia, contando sobre como cada um estava e sobre nossos planos para o futuro. Se não fosse por causa dessa pandemia, talvez essa conversa jamais teria acontecido. Mas aconteceu. E valeu cada segundo. Pronto: nunca mais vou esquecer meu dia 1 do ano 2020, porque eu realmente nasci de novo.

O que você vai fazer no seu Dia 1?

Uma semana de grandes descobertas pra você!

 

Gustavo Guertler não é filósofo, não é psicólogo, não é palestrante, não é coach, não é guru do marketing, além de não ser mais um monte de coisas. Ele é gente, apenas – e às vezes vai para a Belas Letras trabalhar também.